A casca vermelha-amarelada já anunciava onde acabaria a história. O mesmo cheiro, a mesma textura, o formato também, igual. Era ela quem mais uma vez estendia o braço oferecendo e ele quem hesitava antes de aceitar de novo. No momento em que o sabor suculento daquela maçã atravessasse o limite das papilas da língua estava feito o estrago novamente...
Nessa nova temporização cortou-se um personagem. A má ideia não partiu uma serpente e o grito de "heresia" não veio do alto acompanhado de raios e trovões. Era de dentro deles que brotava a culpa. Todo o injusto peso da moral rompida afundava o pouco que restava da esperança. Expulsão de si mesmos. Como uma borboleta que eclode da casca deixando a forma de lagarto. Os dois passariam pelo mesmo processo, porém inverso: tentados pela possibilidade de provar o novo já conhecido, caíram na infração e agora, com as asas do desejo cortadas, teriam de caber novamente no ingrato corpo de um ser rastejante.
Talvez aí a figura da serpente da história original reapareça na narrativa - a criatura que rasteja em silêncio dentro de cada mente humana, aguardando o momento exato para chegar aos olhos e polir uma simples maçã para a visão desatenta. É o que basta para se perder as asas - uma mordida errada, a repetição da história, a ânsia da pressa; e só.