Hoje teve uma peça, uma estreia.
Aliás, várias estreias em uma peça;
Vi um parque servir de teatro, vi uma plateia indo de fraudas a rugas em total silêncio, vi o temor dos novatos, vi a apreensão dos gaiatos.
Não é que a poesia do imaterial já não me sirva mais,
é que, me repito, a realidade tem compromisso comigo, mesmo eu e a literatura nunca tendo assinado compromisso com ela.
Insisto em poetizar mesmo assim
120 pessoas em cena. E pode isso?
Teatro pode tudo e ainda assim o temor de Clarice, a Lispector, não se concretizou, o peso das palavras não esmagou as entrelinhas.
Com um caderno e uma caneta ousei entrar no camarim.
O que passa na cabeça de cada um 10 minutos antes de deixar de ser si mesmo?
"-Me diz uma palavra. Qualquer uma. Vamos, não pensa muito", eu repetia apontando com o queixo os desavisados que passavam por perto;
Que ousadia, pedir uma só palavra. Que injustiça fazê-los escolher.
Nem me apresentava, para quê?
Senhorita jornalista do veículo tal = "bla bla blá, eu quero te usar como personagem apenas?" Não era isso que eu queria. Não é isso que eu quero.
Nada de reduzir pessoas a personagens. Histórias são reais, ainda que não tenham sido vividas. Sentimentos são reais.
Adélia Prado pegou o amor e socou no pilão com cinza e grão roxo para fazer remédio.
Eu só pedi uma palavra.
Elas ficaram espalhadas assim, livres como uma estrela perdida no céu de chuva que não veio: Amizade, magia, ameixa, banana, coração, alegria, vida, cores, nervosismo e amor... que se repetia sem cessar.
As cartas abertas, o palco aberto, a roda antes da estreia, mesmo com as mãos todas dadas....também aberta. Aí o grito só pra quem entende:
"MERDA!"